Anda por estes dias a “bolha” politica-mediática-comentarista a analisar e a “tentar compreender” a vitória do CHEGA no Algarve nas eleições de domingo. Como se fosse preciso muita “massa cinzenta” para tal análise, tão evidente ela é.
No Algarve, como noutras zonas do país, mas nesta especialmente, dada a sua reduzida dimensão física e às características socio-económicas derivadas de um turismo massificado, onde a única lei que impera é a do “vale tudo” para quem tem dinheiro e poder, salta a olhos vistos a ineficácia dos poderes locais e centrais face às necessidades da população, seja na saúde (um verdadeiro caos), seja na habitação (só vocacionada para o turismo e a preços exorbitantes), seja na escassez de bens de primeira necessidade como a água ou mesmo a limpeza das cidades, com o lixo a acumular-se em muitas alturas do ano.
Para quem aqui vive esta vitória do CHEGA, potencializando o voto de protesto, se não era esperada, era uma hipótese muito presente dada a situação de desespero a que o Algarve – apesar de ser uma das regiões que mais riqueza gera – chegou.
Os únicos investimentos existentes na região, como um todo, são os relacionados com o turismo e com a constante agressão ambiental a um litoral permanentemente devassado e destruído desde há décadas, mas onde os projectos turísticos continuam a crescer como cogumelos. As vias de comunicação e de ligação não têm tido qualquer melhoria significativa ao longo dos anos. A Via do Infante é paga a bom dinheiro, a 125 continua permanentemente bloqueada de trânsito e as estradas que ligam, pelo interior, os vários concelhos são pouco mais do que pistas esburacadas. A linha férrea continua a não ligar os principais centros urbanos entre si e toda a estrutura ferroviária remete para o século passado. O aeroporto está asfixiado junto ao mar, quase uma ilha, sem ligações por comboio ou de outro tipo. O modelo de agricultura desenvolvido assenta na monocultura da laranja, a que se seguiu, nos últimos anos, o abacate e os frutos vermelhos, consumindo a água cada vez mais escassa.
O modelo económico que sustenta quer o turismo, quer a agricultura, é o dos salários baixos, igualando ou pouco mais que o salário mínimo, atrativo apenas para uma massa enorme de imigrantes das mais variadas nacionalidades, desde indianos, paquistaneses, africanos de várias origens, brasileiros, que ocupam os centros decrépitos das cidades, acotovelando-se, às dezenas, em caves, sótãos, andares degradados, armazéns ou lojas, na maior parte dos casos sem o mínimo de condições – provocando, no entanto, uma reação negativa nuns casos, noutras de receio, junto da população autóctone, envelhecida, que vê o rosto das suas cidades mudarem de uma forma rápida e quase radical, criando insegurança e alteração de hábitos para quem aqui vive há muito.
Tudo isto, em paralelo, com uma classe politica, do PS e do PSD, irmanada nos jogos de poder e corrupção, em que praticamente nada os distingue: senhores em permanência do poder, seja autárquico ou regional, do turismo à administração do território, da universidade às empresas públicas, partilham a direção política e administrativa da região desde sempre, misturando política, negócios e famílias. Nalguns casos, o poder é uma simples coutada partidária ou familiar. Veja-se o caso de Jamila Madeira ou da permanência do PS, desde sempre, em Câmaras Municipais como a de Portimão, onde, apesar de escândalo sobre escândalo, os compadrios e as subserviências permitem que os seus protagonistas estejam sempre na “mó de cima”.
O voto no CHEGA (que nada vai mudar) tem a ver com tudo isto. Na ausência de um movimento de base, que conseguisse canalizar todo este mal estar, o protesto nada tem de ideológico (ou apenas marginalmente) e consubstanciou-se numa expressão – o voto no CHEGA – que, infelizmente, é tão desajustada como o voto noutro partido qualquer. Simplesmente inútil. Mas que mostra o estado de desespero a que a região do Algarve, e quem aqui habita, chegou.
C. Almeida
Faro, 12/03/2024