Sempre que nos sentamos para discutir e escolher o que vai constar nesta newsletter e qual o mote para o texto de abertura, o exercício começa por uma espécie de enumeração dos grandes temas do momento. Mês após mês, soma-se à lista mais um partido de extrema direita em ascensão, mais uma guerra, violações de direitos humanos, a aproximação de agendas securitárias. A sucessão de eventos é tal que nos deixa com a sensação de que não existe nada para além das crises, da guerra, e do ataque constante aos mais frágeis. E de que o nosso dever é responder a tudo isto, indignar-nos com cada nova peça do puzzle catastrófico que se vai formando. Com as redes sociais a fomentar a sensação de que todos temos uma voz, e a pressão social dos pares a convencer-nos a usar a nossa plataforma para dar visibilidade às causas, fazemos das stories ou dos tweets parte do nosso repertório político e da expressão constante de indignação a nossa militância. Mas não estará essa fórmula condenada ao fracasso, e a relegar-nos a uma posição passiva? Ou pior: não será essa fórmula um sinal de uma falta de imaginação sobre o futuro que nos encaminha à reação? A dinâmica repete-se em caso atrás de caso. Parece que a indignação nas redes sociais se tornou a nossa última forma de resistência. E que a resistência individual, agarrados ao telemóvel, é o último lugar que nos resta. Não só o trabalho nos molda uma boa parte do dia em troca de uma vida cada vez mais precária, como o complexo internético — como lhe chama Jonathan Crary em Terra Queimada — esvazia o tempo que nos resta do seu sentido social e político. Se comumente já nos referimos aos telemóveis como chupetas digitais para os mais novos, com criações de qualidade duvidosa, está na altura de questionar frontalmente o efeitos nos mais velhos — e na maturidade da sociedade como um todo. Ferramentas como o ChatGPT, o Grok, ou os filtros que usamos sobre as imagens, mascaram a realidade, criam a ilusão de que o conhecimento está todo na ponta dos dedos e que o progresso político está a uma inovação tecnológica de distância. Mas não serão, na verdade, sintomas maiores desta gigante ilusão colectiva que nos condenou à inércia? Uma ilusão onde julgamos estar informados, envolvidos e ser combativos — quando, na verdade, estamos apenas a reagir, isolados, e com alcance limitado pelo algoritmo que devíamos destruir?
A vida não pode ser só ragebait. Por Carolina Franco & João Gabriel Ribeiro - Shifter

João Pinheiro
@joaopinheiro