A vantagem da passagem do tempo é que ela nos traz algo que parece ser cada vez mais desvalorizado: a sabedoria.
Ora, a sabedoria, conjugada com a sua força criadora, o tempo, permite-nos colocar as coisas em perspectiva, o que pode ser extremamente positivo, se bem usado.
Da minha perspectiva, fruto de 55 anos de amadurecimento, Abrantes, o nosso concelho, não está “como dantes”; está mesmo muito diferente! Dum modo geral, penso, posso afirmar que está muito melhor, em vários aspectos. Concordará comigo, acredito, se eu disser que temos um concelho mais bonito, com melhores acessibilidades e com melhores infraestruturas do que as dos anos sessenta do século passado.
Porém, o que me leva a escrever estas linhas, hoje, é algo em que considero que não houve uma evolução tão positiva quão desejável, apesar de, aparentemente, parecer que sim. Falo da mobilidade.
Hoje, estamos ligados a todo o território nacional com melhores estradas, com uma boa autoestrada e com via férrea. No entanto, estaremos verdadeiramente a beneficiar duma mobilidade moderna, segura e potencialmente mais ecológica?
O conceito de mobilidade moderna implica — obrigatoriamente — retirar o automóvel do centro da mesma. Ele é apenas um dos elementos a ter em conta e um dos que precisam de ficar mais na garagem, para o bem de todos. Isto é sabido e aplicado por países como a Holanda, a Bélgica, a Alemanha, a Finlândia, etc., desde a década de 70!
Neste âmbito, o nosso concelho tem seguido o caminho contrário: o automóvel particular é cada vez mais o centro, o foco principal do investimento feito em mobilidade.
Permitam-me dar dois exemplos do que afirmo:
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Em especial ao longo das três últimas décadas, a utilização dos transportes públicos decaiu abruptamente. Basta ver a quantidade de pais que leva os filhos à escola, todos os dias, de carro, causando o caos no trânsito matinal da cidade. Isto leva-me a acreditar que, provavelmente, a oferta de transportes públicos de qualidade é fraca.
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Inúmeros parques de estacionamento para automóveis surgiram na nossa cidade. Ao contrário, os espaços para a guarda de bicicletas são absolutamente inexistentes e os dos motociclos quase desapareceram por completo!
Falando em bicicletas, preocupa-me verificar que a criação de condições de segurança para os nossos ciclistas puderem circular no nosso concelho em segurança se resumem à criação de ciclovias nos parques de lazer, em vez de fazerem parte dum plano objectivo para a criação duma infraestrutura que ligue as várias comunidades em todo o concelho, como se vê noutros concelhos portugueses que estão a apostar numa mobilidade moderna de futuro.
Ainda em oposição ao conceito aqui defendido, aflige-me ver que há zonas, em todo o concelho, e dentro da cidade onde as pessoas têm medo de atravessar a rua! É que essas ruas, em alguns casos, assemelham-se mais a autoestradas, vias rápidas ou autênticas pistas de competição, nas quais nada refreia os automobilistas irresponsáveis de circular em continua transgressão, sendo autênticos obstáculos intransponíveis, colocados bem no centro da cidade e das nossas vilas e aldeias.
Enquanto não colocarmos as pessoas no centro da equação da mobilidade, enquanto não criarmos boas condições para os nossos jovens irem para as escolas a pé ou de bicicleta, enquanto não ajudarmos os nossos automobilistas a perceber que as pessoas têm precedência em relação à sua pressa, enquanto não apostarmos na adaptação da nossa infraestrutura viária às necessidades das pessoas, não estaremos a construir um concelho no qual a mobilidade seja verdadeiramente moderna.
Já agora, ainda relativo aos parques de estacionamento para veículos particulares, para quando o investimento na criação dum, junto à estação da CP de Abrantes, para acabar com as dificuldades que os utilizadores desse magnífico meio de transporte colectivo, que é o comboio, sentem diariamente há décadas? Neste caso, não precisamos de ir buscar um excelente exemplo muito longe, basta irmos à cidade do Entroncamento e copiar o seu modelo.
Para concluir, enquanto não mudarmos o nosso modo de pensar, caros/as leitores/as, deixando de acreditar que uma mobilidade moderna, segura e ecológica se consegue espalhando alcatrão por todo o lado, não estaremos a apostar num futuro melhor para os nossos filhos e netos, nem a contribuir para a diminuição do flagelo anual deste país que é o número de mortes nas nossas estradas e ruas!
Sejamos sábios, para o bem de todos!
Bem hajam e até breve!